quinta-feira, 1 de janeiro de 2015

A TAXA CAMARAE - A IDADE DA CORRUPÇÃO E DO PECADO NA IGREJA







A TAXA CAMARAE – A IDADE DA CORRUPÇÃO E DO PECADO DA IGREJA 



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Nesta sede, iremos compreender melhor os motivos determinantes – não os aparentes, mas os substanciais – da perseguição da Igreja Católica aos místicos.


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Não há possibilidade com os meios existentes de qualificar como autêntico um documento denominado Taxa Camarae atribuído ao papa Leão X.
Não nos interessa nem releva o facto do documento ter sido posto em causa por uma “seita fanática” argentina – Instituto do Verbo Encarnado, www.apologetica.org . 
Não nos devemos também deixar influenciar pela narrativa histórica da vida do papa Leão X, que como outros papas da sua época, não terá sido exemplar.
Não importa quem suscita dúvidas ou expende opiniões, e de quem foi o presumível autor de um qualquer acto delituoso - não sabemos sequer como qualificar a dita Taxa… -, mas a pesquisa imparcial da eventual veracidade do objecto dessas dúvidas. 

Vejamos:
A Taxa Camarae foi publicada em diversas fontes e ao que parece em italiano, francês e espanhol.
No entanto, a referência bibliográfica conhecida e mais antiga onde é mencionada a dita Taxa Camarae, é o Dicionário de Controvérsia, numa edição de finais do século XIX, talvez 1882, tendo por autoria Teófilo Gay. Mas em nenhuma edição onde o documento é citado e transcrito encontramos a referência à sua fonte original. 

Apesar de podermos encontrar o documento em mais do que uma edição, ninguém durante todo este tempo pôs em causa a sua autenticidade, o que também não se constitui como prova da mesma.
Até que P. Rodríguez o incluiu na sua obra, Mentiras Fundamentais da Igreja Católica, Terramar, como anexo, escrevendo a título introdutório: “A Taxa Camarae é um tarifário promulgado em 1517 pelo papa Leão X (1513-1521) destinado a vender indulgências, ou seja, o perdão das culpas, a todos quantos pudessem pagar umas boas libras ao pontífice. Como veremos na transcrição que se segue, não havia delito, por mais horrível que fosse, que não pudesse ser perdoado a troco de dinheiro. Leão X declarou aberto o céu para todos aqueles, fossem eles clérigos ou leigos, que tivessem violado crianças e adultos, assassinado uma ou várias pessoas, abortado... desde que se mostrassem generosos com os cofres papais”.
Rodríguez descobriu o documento por mero acaso, aquando de uma visita de férias a Paris. Um padre jesuíta falou-lhe da existência da Taxa, facultando-lhe uma cópia da mesma obtida numa biblioteca da Sorbonne, num livro cuja edição dataria da primeira década do século XX.
Alguns estudiosos referiram-lhe que esta taxa seria verdadeira e um dos motivos fundamentais da “ruptura” de Lutero. Nada encontramos neste sentido, apesar de existirem ligações entre o pontificado desastroso de Leão X e a manifesta insatisfação de muitos cristãos, encabeçados por Martinho Lutero. 
Também não nos interessa de modo algum, a circunstância narrada por P. Rodríguez na web, de ter recebido ameaças, que se estenderam a outros editores que a editaram nos seus sites e blogues.

O documento original pode existir, estando profundamente “escondido” nos arquivos secretos do Vaticano, como muitos outros, nomeadamente dos séculos XVI e XVII. Aí, poderá ser um original promulgado por Leão X ou indevidamente elaborado por um bispo ou outro membro da Igreja Católica, sem ou com o consentimento do seu representante máximo. Pode ter sido falsificado à época, ou ser uma falsificação tardia.
Provavelmente, só a muito custo, poderemos avaliar com a certeza necessária a validade da Taxa Camarae, ainda que a intuição nos dite pelas circunstâncias da época, uma qualquer adesão.



 TAXA CAMARAE


1. O eclesiástico que cometa o pecado da carne, seja com freiras, seja com primas, sobrinhas ou afilhadas suas, seja, por fim, com outra mulher qualquer, será absolvido, mediante o pagamento de 67 libras, 12 soldos.  

2. Se o eclesiástico, além do pecado de fornicação, quiser ser absolvido do pecado contra a natureza ou de bestialidade, deve pagar 219 libras, 15 soldos. Mas se tiver apenas cometido pecado contra a natureza com meninos ou com animais e não com mulheres, somente pagará 131 libras, 15 soldos.  

3. O sacerdote que desflorar uma virgem pagará 2 libras, 8 soldos.  

4. A religiosa que quiser alcançar a dignidade de abadessa depois de se ter entregado a um ou mais homens simultânea ou sucessivamente, quer dentro, quer fora do seu convento, pagará 131 libras, 15 soldos.  

5. Os sacerdotes que quiserem viver maritalmente com parentes pagarão 76 libras e 1 soldo.  

6. Para todos os pecados de luxúria cometidos por um leigo, a absolvição custará 27 libras e 1 soldo; no caso de incesto, acrescentar-se-ão em consciência 4 libras.  

7. A mulher adúltera que queira ser absolvida para estar livre de todo e qualquer processo e obter uma ampla dispensa para prosseguir as suas relações ilícitas, pagará ao Papa 87 libras e 3 soldos. Em idêntica situação, o marido pagará a mesma soma; se tiverem cometido incesto com os seus filhos acrescentarão em consciência 6 libras.  

8. A absolvição e a certeza de não serem perseguidos por crimes de rapina, roubo ou incêndio, custará aos culpados 131 libras e 7 soldos.  

9. A absolvição de um simples assassínio cometido na pessoa de um leigo é fixada em 15 libras, 4 soldos e 3 dinheiros.  

10. Se o assassino tiver morto a dois ou mais homens no mesmo dia, pagará como se tivesse apenas assassinado um.  

11. O marido que tiver dado maus tratos à sua mulher, pagará aos cofres da chancelaria 3 libras e 4 soldos; se a tiver morto, pagará 17 libras, 15 soldos; se o tiver feito com a intenção de casar com outra, pagará um suplemento de 32 libras e 9 soldos. Se o marido tiver tido ajuda para cometer o crime, cada um dos seus ajudantes será absolvido mediante o pagamento de 2 libras.  

12. Quem afogar o seu próprio filho pagará 17 libras e 15 soldos; caso matem o próprio filho, por mútuo consentimento, o pai e a mãe pagarão 27 libras e 1 soldo pela absolvição.  

13. A mulher que destruir o filho que traz nas entranhas, assim como o pai que tiver contribuído para a perpetração do crime, pagarão cada um 17 libras e 15 soldos. Quem facilitar o aborto de uma criatura que não seja seu filho pagará menos 1 libra.  

14. Pelo assassinato de um irmão, de uma irmã, de uma mãe ou de um pai, pagar-se-á 17 libras e 5 soldos.  

15. Quem matar um bispo ou um prelado de hierarquia superior terá de pagar 131 libras, 14 soldos e 6 dinheiros.  

16. O assassino que tiver morto mais de um sacerdote, sem ser de uma só vez, pagará 137 libras e 6 soldos pelo primeiro, e metade pelos restantes.  

17. O bispo ou abade que cometa homicídio por emboscada, por acidente ou por necessidade, terá de pagar, para obter a absolvição, 179 libras e 14 soldos.  

18. Quem quiser comprar antecipadamente a absolvição, por todo e qualquer homicídio acidental que venha a cometer no futuro, terá de pagar 168 libras, 15 soldos.  

19. O herege que se converta pagará pela sua absolvição 269 libras. O filho de um herege queimado, enforcado ou de qualquer outro modo justiçado, só poderá reabilitar-se mediante o pagamento de 218 libras, 16 soldos, 9 dinheiros.  

20. O eclesiástico que, não podendo saldar as suas dívidas, não quiser ver-se processado pelos seus credores, entregará ao pontífice 17 libras, 8 soldos e 6 dinheiros, e a dívida ser-lhe-á perdoada.  

21. A licença para instalar pontos de venda de vários géneros, sob o pórtico das igrejas, será concedida mediante o pagamento de 45 libras, 19 soldos e 3 dinheiros.  

22. O delito de contrabando e as fraudes relativas aos direitos do príncipe custarão 87 libras e 3 dinheiros.  

23. A cidade que quiser obter para os seus habitantes ou para os seus sacerdotes, frades ou monjas autorização de comer carne e lacticínios nas épocas em que está vedado fazê-lo, pagará 781 libras e 10 soldos.  

24. O convento que quiser mudar de regra e viver com menos abstinência do que a que estava prescrita, pagará 146 libras e 5 soldos.  

25. O frade que para sua maior conveniência, ou gosto, quiser passar a vida numa ermida com uma mulher, entregará ao tesouro pontifício 45 libras e 19 soldos.  

26. O apóstata vagabundo que quiser viver sem travas pagará o mesmo montante pela absolvição.  

27. O mesmo montante terá de pagar o religioso, regular ou secular, que pretenda viajar vestido de leigo.  

28. O filho bastardo de um prior que queira herdar a cura de seu pai terá de pagar 27 libras e 1 soldo.  

29. O bastardo que pretenda receber ordens sacras e usufruir de benefícios pagará 15 libras, 18 soldos e 6 dinheiros.  

30. O filho de pais incógnitos que pretenda entrar nas ordens pagará ao tesouro pontifício 27 libras e 1 soldo.  

31. Os leigos com defeitos físicos ou disformes, que pretendam receber ordens sacras e usufruir de benefícios pagarão à chancelaria apostólica 58 libras e 2 soldos.

32. Igual soma pagará o cego da vista direita, mas o cego da vista esquerda pagará ao Papa 10 libras e 7 soldos. Os vesgos pagarão 45 libras e 3 soldos. 

33. Os eunucos que quiserem entrar nas ordens pagarão a quantia de 310 libras e 15 soldos.  

34. Quem por simonia quiser adquirir um ou mais benefícios deve dirigir-se aos tesoureiros do Papa que lhos venderão por um preço moderado.  

35. Quem por ter quebrado um juramento quiser evitar qualquer perseguição e ver-se livre de qualquer marca de infâmia, pagará ao Papa 131 libras e 15 soldos. Pagará ainda por cada um dos seus fiadores a quantia de 3 libras.   

Fonte: Rodríguez, Pepe, obra citada.


***

Na Idade Média os papas alternavam – que me seja desculpado o termo. Por um lado, religiosos de devoção e prática de vida exemplares, por outro, cidadãos poderosos sem moralidade, alguns verdadeiros criminosos na mais rigorosa acepção do termo, como infra exemplificaremos.
A imoralidade da Igreja Romana não era secreta, mas escândalo público. Este facto terá conduzido à Reforma de Lutero.  


O papa Urbano II (1088-1099) instituiu em 1095 o Callagium, taxa anual de liberação sexual pagável ao papado, que permitia aos “membros” do clero ter amantes. Segundo alguns historiadores, a taxa não surtiu o efeito de colecta esperado – nos mosteiros e nas paróquias ter-se-á assistido por “substituição” a um aumento da homossexualidade
Anacletus (1130-1138) terá cometido incesto com uma irmã e outras mulheres da família, bem como “usado” para a sua lascívia, freiras e noviças. 
Clemente VI (1342-1352) foi descrito por Petrarca como “um Dionísio eclesiástico, com suas artimanhas infames e obscenas”, já que tinha relações sexuais com prostitutas, e tinha bastantes amantes. 
Pio II (1458-1464) terá tido doze filhos, se mais não teve. 
Paulo II (1464-1471), considerado homossexual e sádico, tinha uma apetência especial em ver homens nus submetidos a tortura. 
Inocêncio VIII (1484-1492) terá tido sete filhos ilegítimos e outras tantas filhas (que reconhecia publicamente). O seu pontificado ficou conhecido na história como a Era de Ouro dos Bastardos. No leito de morte terá feito um último pedido: mamar numa ama-de-leite… 
Júlio II (1503-1513) contratou Miguel Ângelo para pintar a Capela Sistina e era pedófilo, ocupando parte do seu tempo com meninas e meninos. 
Paulo III (1534-1549) tinha relações incestuosas com a irmã. Com intuitos patrimoniais terá morto por envenenamento a própria mãe e uma sobrinha, e dois cardeais e um bispo por razões teológicas. Estranha é a afirmação de que tinha na sua posse uma lista de cerca de 40.000 prostitutas que pagavam uma taxa mensal ao papado. 
Júlio III, homossexual, terá sodomizado o próprio filho.  

Muitos outros, mais antigos, contemporâneos, e posteriores, cometeram graves delitos e atrocidades, que para aqui não relevam, por desnecessário para a caracterização da época.

Mas, atentemos agora em Leão X. Enquanto Giovanni di Lorenzo de Medici estudou Teologia e Direito Canónico. Foi Bispo e depois Cardeal.
Terá esvaziado os cofres do Vaticano. Referem alguns historiadores que estimulou a venda de indulgências e de relíquias – cuja autenticidade seria em grande parte dos casos duvidosa – e que com a sua conduta “quase-pagã” despoletou a indignação de muitos religiosos, que seguiram Martinho Lutero na Reforma Protestante, fazendo com que o cristianismo europeu perdesse a sua unidade.

Lutero afixou as suas 95 teses na porta da Igreja de Wittenberg. Em Junho de 1520, Leão X emitiu uma bula – Exsurge Domini – onde censurava e ameaçava o seu autor com a excomunhão. Lutero foi excomungado no ano de 1521, ano que Leão X faleceu – 1 de Dezembro.

***

Se bem atentarmos, os factos delituosos descritos na Taxa Camarae estão em conformidade com os “pecados” da época. Muitos papas, cardeais, bispos e padres praticavam à revelia da doutrina que diziam professar os mais horrendos crimes. Não nos admira, que num panorama diabólico surgisse um documento que os liberasse das devoradoras chamas do Inferno.
Mas tal facto, também não nos assevera a autenticidade do documento, antes a sua perfeita adequação prática à época. Não mais do que isso. 

Não se diga, que os factos supra, mesmo que aditados por muitos outros, podem destruir a Igreja.
Napoleão terá dito uma vez, que aniquilaria a Igreja. Um cardeal, então, ter-lhe-á respondido: “Mas nem mesmo nós fomos capazes de fazê-lo!”...


JOSÉ MARIA ALVES

(BLOGUE PESSOAL)

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